14 de jan. de 2008

x-factor


Continuo com a minha observação e estudo do comportamento humano. O Rio é um lugar ótimo pra isto. Ipanema, com seu espírito exibicionista, atrai á “beautiful people” local e uma mesma quantidade de turistas que vão à praia ou passeiam pela orla num estado de atenção e de necessidade de atenção constantes. Existe uma espécie de tensão no ar. Não é a tranqüilidade que se poderia esperar de um lugar de praia qualquer. Isto, surpreendentemente, atrai muitos famosos brasileiros, pelo que me têm contado, e um monte de gays que se posicionam diante do gueto, prolongando este desde a cidade até o mar. Como em qualquer gueto gay, é difícil encontrar qualquer coisa interessante nesse lugar. Muito canino retorcido, mão gosto e esteroides demais. Perto do posto 9, no Coqueirão, encontra-se supostamente a gente mais bela da praia de Ipanema. E há dias em que é certo: você acorda de uma cochilada e ao seu redor só há beldades tanto femininas quanto masculinas. Mas isso só ocorre às vezes. Elas parecem se agregar por algum fenômeno natural que as convoca intermitentemente.

Um dia indo á praia por Ipanema com minha amiga Paula, encontrei ao Manuelvi, meu ex-amante galego-madrilenho. Manuel ia vestido pela rua só de sunga, acho que nem levava chinelos, num estado de ansiedade e nervosismo do que vai procurar alguma coisa realmente excitante. Manuel ficava na casa de Javier, meu ex, uma espécie de aparta-hotel na Rua Barão de Triunfo.

Acho que não falei ainda de meu ex aqui. Também não falei do processo pelo que chegou a ser meu ex há pouco tempo, depois da minha chegada ao Brasil. Vou ter que resumir, porque acho a historia um pouco chata: Javier chegou comigo a Salvador em Setembro e ficou um tempo, até Novembro. Então a relação terminou. Até há pouco eu não sabia explicar como me desapaixonei...

A coisa é que aquele dia fui passear na praia depois de deixar minhas coisas com a Paula e seus amigos. A beira do mar estava cheia de caras jogando futebol, frescobol etc., e enchendo meu saco a cada passo. Acho que era sábado e a praia estava lotada, mas lembro que, contudo, não me senti abafado. Esta praia tem algo que faz ela sempre ficar bela, com o morro dos dois irmãos de um lado e as ilhas desertas diante, na Baia de Guanabara, criando um cenário selvagem mesmo diante da cidade. É essa sensação de amplitude a que a faz tão agradável. Ia pensando nisso quando quase bati com o Javier. Ele estava saindo da água, com sua sunga na moda, tão bonito como sempre, ou tal vez mais bonito que nunca. Passeamos e falamos durante quase meia hora, num tom muito nice até que a gente chegou diante da sua barraca; - no posto 9, claro -. Ai começou a brigar. Quando estava a dizer que eu preciso me aclarar (?), e percebi que ia jogar coisas na minha cara, decidi parar ai a conversa e abandonar o lugar.

A gente não se viu mais desde aquilo (antes do Reveillon) até a semana passada. Coincidimos vários dias, e no ultimo (ontem) a conversa voltou nesse senso. No final acho que é uma forma de me culpar de ter abandonado ele.

O sábado à noite a gente foi no cinema pra ver Atonement, o filme baseado no romance de Ian Mc Ewan. A gente tem uma relação especial com esse romance. Quando Javier e mais eu morávamos em Santiago de Compostela, os dois limos Atonement. Pouco depois, Emma, uma amiga de Javier, veio pra Santiago e ficou com nos na casa. A gente viu que Mc Ewan ia recever um premio no Casino de Santiago, e fomos lá. A Emma entrevistou ele - trabalha pra Reuters - depois de uma entrega de premio literário bastante absurda, com uma menina prodígio de Ourense tocando o piano e umas mulheres da alta sociedade de Santiago sentadas tomando café e fofocando.

O filme, de Joe Wright, é correto na direção, - ás vezes brilhante, lembrando os filmes ingleses de meados do século XX - , e tem um maravilhoso trabalho de roteiro atrás dele, conseguindo levar o essencial de um grande romance á tela. Keira Knightley saíndo de uma fonte molhada e com seu vestido transparentando o corpo é dessas imagens fílmicas que ficam gravadas a fogo.

Mas indo ao tema em questão, o filme me fez lembrar o inicio da nossa relação. A importância da honestidade – tanto da minha quanto da dele -. Os dias em Santiago nos que eu tentava confiar nessa pessoa; amava apaixonadamente, até o ponto de ficar velando seu sono nas minhas noites de insonia.

Agora que o penso, é engraçado que seu último romance - o rapaz é escritor, sim - tenha tanto a ver com isso: observar aos outros enquanto eles dormem. Igual do que as mães com seus filhos pensam:
- Nossa, seria tão fácil se eles sempre ficaram assim, igual do que anjinhos, quietos, sem falar, sem dar problemas.

Mas as crianças trazem problemas, e só uma mãe ou um pai têm o que é preciso pra agüentar aquilo. Pra ter paciência, perdoar e educar, só em troca de ver elas dormir aprazivelmente cada noite, apoiados no vão da porta. Houve muitos problemas na nossa relação. E eu tive muita paciência. Mas, após sair do cinema aquele sábado à noite, me di conta do que tivera acontecido. O meu desapaixonamento foi parte de uma morte, foi natural. A morte de uma relação que já tinha sido ferida grave havia tempo. Assim falei pra ele. Assim me despedi definitivamente.